A poesia anda na Escola
2012/2013

O poeta Fausto Guedes Teixeira nasceu na
freguesia de Almacave, em Lamego, em 11 de Outubro de 1871, filho de José
Augusto Guedes Teixeira e de sua esposa D. Leopoldina de Queirós Guedes, que
haviam casado em 1868. O pai, falecido prematuramente, foi político influente
(presidente da Câmara de Lamego, governador civil de Viseu e depois do Porto,
deputado às cortes) e também empresário. O casal teve três filhos: Augusto,
Fausto e Leopoldina Ema. Após o ensino primário, Fausto Guedes Teixeira iniciou
aos 10 anos os seus estudos no Colégio de Campolide. Todavia não suportava
muito bem o afastamento da mãe, e três anos depois vemo-lo de novo em Lamego a
estudar no Colégio Roseira. O seu desejo era ser oficial da Marinha, mas o pai
persuadiu-o a tirar Direito, como ele próprio, e assim em 1890-91 é aluno do
1.º ano da Faculdade de Direito, em Coimbra. Sem vocação para as leis, não
obteve aproveitamento em diversos anos do curso, mas acabou por se bacharelar
em 1898. O seu gosto era outro: a boémia, a contemplação das doces paisagens de
Coimbra, a atividade literária. Abusa do absinto que o viria a pôr, mais tarde,
em Lisboa, à beira do delirium tremens. Interrompe ainda o curso em
1895 e parte para o Brasil, munido de uma carta de apresentação de Eça de
Queirós, decidido a fazer carreira no jornalismo. Mas a doença (febre amarela)
e a inadaptação fizeram com que a estadia fosse curta (menos de um mês) e
regressou aos estudos. Em 1899, já formado, encontramo-lo em Lisboa à procura
de emprego. De compleição débil e enfermiça – Trindade Coelho referiu-se-lhe
usando a expressão: «um passarinho» – continua a fazer uma vida de boémia e a
frequentar lugares onde se reuniam os jovens literatos e artistas. É despachado
ajudante de conservador em Loulé, cargo que exerce efemeramente, pois em 29 de
Outubro, treze dias depois de casar com D. Margarida
Braga, irmã do seu grande amigo e condiscípulo Alexandre Braga (Filho), parte
com a esposa para Moçambique, onde o espera o cargo de Secretário de Governo do
Distrito de Lourenço Marques. Como no Brasil, é uma estadia curta, devido à
doença e inadaptação ao clima. Em 1900, está de novo em Lisboa, onde
experimenta dificuldades financeiras.
Consegue um
modesto emprego no Mercado Geral de Produtos Agrícolas, e dirá a propósito a um
amigo: «Vê no que veio a dar um poeta romântico: fiscal de nabos e pepinos na
Praça da Figueira!» E, numa carta a Afonso Lopes Vieira: «(…) Eu mal tenho uma
cadeira em que V. se pudesse sentar, tão difícil e dura é a minha situação na
vida.» Porém, anos depois, as suas condições de vida melhoraram
substancialmente. Em 1906, é feito Secretário do Museu das Janelas Verdes e em
1913, Administrador da Companhia dos Caminhos de Ferro de Benguela, posição
esta que acumula com a anterior e lhe traz desafogo económico. No ano de 1917,
um pouco contrariado, integra uma Embaixada Intelectual ao Brasil, chefiada por
Alexandre Braga, então ministro da Justiça, e de que faziam parte também o
poeta Augusto Gil e o dramaturgo Marcelino Mesquita, entre outras
individualidades. Aí deixou uma excelente impressão: «(…) A segunda parte era o
‘clou’ do festival. Estavam todos ansiosos por ouvir a musa inspirada de Fausto
Guedes Teixeira, tanto mais que nós já aqui tínhamos anunciado, em tempo, que
não havia ninguém que dissesse os seus versos com mais fogo, com mais alma,
como se ali mesmo, dominado pela sua alta inspiração, os estivesse a
improvisar.» Em 1918, recebe um rude golpe: o falecimento da mãe, que fora
sempre uma figura tutelar para o poeta. Por herança de seu tio materno, o 2.º
Visconde de Valmor, Fausto torna-se um rico proprietário em Lamego, onde a
partir de 1920 vive os últimos vinte anos de vida, isolado do mundo e doente,
física e espiritualmente, na herdada Casa do Parque. Vai entretanto procurando
uma aproximação a Deus, que lhe traz alguma serenidade de espírito. Vive em
recolhimento quase ascético. Recusa distinções que lhe queriam conferir e o
convite para sócio da Academia das Ciências. Os amigos homenageiam-no com um
número especial do jornal Beira-Douro de 11 de Outubro de 1938. Faleceu
a 13 de Julho de 1940. Teve um funeral imponente e repousa no jazigo da
família, no Cemitério de Santa Cruz, em Lamego. Em 1990, por altura do
cinquentenário da morte de Fausto Guedes Teixeira, os jornais Voz de Lamego
e Lamego Hoje inserem um encarte que lhe é inteiramente dedicado.
Em 2005, assinalando o 134.º aniversário do nascimento do poeta, a Liga dos
Amigos do Museu de Lamego organizou uma exposição bibliográfica e documental.
Existe um busto do escritor da autoria de Costa Mota Sobrinho, no Jardim da
República, fronteiro aos Paços do Concelho de Lamego. O nome do poeta figura na
toponímia da sua cidade natal, de Lisboa e de São Paulo. Fausto Guedes Teixeira
foi um poeta singular, difícil de comparar com qualquer outro. A sua
singularidade consiste sobretudo no obstinado afastamento do poeta em relação a
correntes literárias, ao arrepio das novas escolas que sucessivamente dominaram
o panorama poético – o parnasianismo, o naturalismo, o simbolismo, o modernismo
–, mantendo-se atido a uma espécie de neo-romantismo serôdio e até de certo
modo reactivo, à Alfred de Musset, especialmente na idade madura, já que a sua
poesia da juventude revela por vezes uma certa colagem e influências de Guerra
Junqueiro, António Nobre, Cesário Verde e outros. Foi
chamado, apropriadamente, «poeta do amor e da paixão», expressão usada pela
primeira vez, cremos, no título de um artigo sobre ele, da autoria de João Cid,
publicado no jornal Beira-Douro em 11 de Outubro de 1938. Esse epíteto
está escrito igualmente no seu túmulo e caracteriza de forma certeira a obra de
um homem que dedicou parte substancial da sua relativamente extensa obra
poética aos temas “do coração”: o predomínio do sentimento (fonte da verdade)
sobre a razão, o amor, a mulher, o erotismo, mas também a solidão, a noite, a
melancolia (…). Disse Augusto de Castro: «Há homens que pensam em verso. Fausto
pensava, sentia e respirava – em verso.». E Amado Nervo, crítico literário
espanhol, afirma: «(…) Ese admirable poeta íntimo, el más subjetivo de todos,
que se llama Fausto Guedes Teixeira, el más amado de las mujeres y de todos los
sentimientos. Su Mocedad perdida es un bello libro. Este poeta no tiene
filiación con ninguno de los de su época; es el más original y su poesía
psicológica es quizás única en Europa.»es un bello libro. Este poeta no
tiene filiación con ninguno de los de su época; es el más original y su poesía
psicológica es quizás única en Europa.» Acompanhemos um pouco mais de perto o
seu percurso literário. Os primeiros tentames poéticos aparecem em 1889 (tinha
ele 18 anos) no quinzenário juvenil Miniaturas, de Lamego. Não foram
primícias especialmente promissoras. O Ultimato Inglês, em 1890, empurrou-o
para os ideais republicanos, apesar de ter nascido no seio de uma família
aristocrática (seu pai era visconde de Guedes
Teixeira e sua mãe tinha laços familiares com os viscondes de Valmor e
Almedina). No mesmo ano é cofundador em Lamego de um jornal de cariz
revolucionário, A Revolução, de que saiu apenas um número, certamente
devido à sua virulência. Em Novembro de 1894, já em Coimbra, funda com
Alexandre Braga a revista Insultos – Crítica das Coisas Portuguesas,
de que saíram 2 números, extremamente violentos, suscitando numerosas reacções,
folhetos e manifestos. Embora de espírito introvertido e melancólico, dotado de
um temperamento emotivo, sentimentalmente volúvel,
fisicamente débil, Fausto Guedes Teixeira frequentava a boémia coimbrã,
e mais tarde a lisboeta, que animava com leitura de poemas e onde privava com
escritores e artistas – e bebia absinto. É geralmente tido como «o maior» pelos
seus companheiros dessas noites de boémia. O seu primeiro livro saiu em 1892
com o título Náufragos. Glosava um trágico naufrágio ocorrido na Póvoa
de Varzim. É constituído por um único poema, escrito em alexandrinos, onde é
possível perceber a influência de Junqueiro e Victor Hugo. Seguiram-se Livro
d’Amor (1894), Mocidade perdida (1886; 2.ª ed., 1926), Boa
viagem (1898), Esperança nossa (1899), Carta a um poeta
(1899), Saudades do coração (1902), Alma triste (1903), O
meu livro (1908), Maria (1918), Sonetos de amor (1922), O
meu livro (dois volumes, 1941 e 1942, respetivamente, edição definitiva e
póstuma das obras completas).
In Ciclos
- Poesia Trasmontana e Alto-Duriense
AMAR OU ODIAR
Amar ou odiar: ou tudo ou nada!
O meio termo é que não pode ser
A alma tem d’estar sobressaltada
Para o nosso barro se sentir viver.
Não é uma cruz a que não for pesada,
Metade dum prazer não é um prazer;
E quem quiser a alma sossegada
Fuja do mundo e deixe-se morrer.
Vive-se tanto mais quanto se sente;
Todo o valor está no que sofremos…
Que nenhum homem seja indiferente!
Amemos muito, como odiamos já:
A verdade está sempre nos extremos,
Porque é no sentimento que ela está.
Fausto Guedes Teixeira
ESBOÇO
Negro o cabelo, a fronte iluminada,
O nariz curvo, a boca pequenina,
Nos olhos escuríssimos cravada
Uma estrela no fundo da retina.
Nas faces uma rosa desmaiada
E outra rosa nos lábios purpurina,
Seus pequeninos pés os duma fada
E o seu corpo um corpinho de menina.
Todos os traços cheios de expressão,
Nas mãos um fogo estranho que lhas beija,
Porque eu lhe pus nas mãos o coração.
Eis o esboço rápido daquela
Que, sempre que na vida alguém a veja,
Nunca mais vê ninguém senão a ela!
Fausto Guedes Teixeira
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