10/03/2012

O POETA DO MÊS

A poesia anda na Escola
O poeta do mês
  [N. São Bartolomeu de Messines, Algarve, 8-3-1830 — m. Lisboa, 11-1-1896] 
 JOÃO DE DEUS
JOÃO DE DEUS DE NOGUEIRA RAMOS nasceu em São Bartolomeu de Messines a 8 de março de 1830 e faleceu em Lisboa a 11 de janeiro de 1896.
Filho de um pequeno comerciante algarvio, foi para Coimbra em 1849 matricular-se em Direito, tendo levado dez anos a concluir a sua formatura, pelo que teve ocasião de fazer amizade com Antero de Quental, que, em 1860, já nele saudava «o poeta mais original do seu tempo». Boémio, generoso, irónico, irreverente, improvisando poemas que acompanhava à guitarra, a sua personalidade fascinou sucessivas gerações de estudantes. Colaborou numa série de jornais (Estreia Literária, Ateneu, Prelúdios Literários, Académico, Fósforo, etc.) e, em 1869, um grupo de amigos conseguiu elegê-lo deputado por Silves, tendo-se mudado de vez para Lisboa. Mas, a política pouco o interessava e esses primeiros anos em Lisboa foram difíceis, tendo tido de recorrer a vários expedientes para sobreviver. Datam dessa época as suas traduções de comédias de Méry, compondo também, por encomenda, poemas para festas de caridade.
Embora pertencendo à 2.ª geração romântica de um João de Lemos e de um Soares dos Passos, João de Deus é um poeta isolado e dissidente dos ideais estéticos de O Novo Trovador. Num artigo que publicou em O Bejense, em 1863 (escrito contra certas afirmações de Castilho que introduziam o D. Jaime, de Tomás Ribeiro), fazia a primeira condenação pública da escola ultra-romântica, defendendo um lirismo «purificado» ligado à tradição dos cancioneiros galego portugueses, às cantigas populares do romanceiro e a certos aspectos de Camões lírico.
Escrevendo «com uma mão no coração», não se encontra na sua poesia nada de tétrico ou de lamuriento. Servindo-se de um vocabulário restrito, em que aparecem repetidamente palavras como lua, ave, nuvem, perfume, lágrima, exprime os sentimentos de um modo espontâneo e direto, quase infantil, numa linguagem muito próxima da oralidade.
É um poeta do amor adoração e a sua poesia não é mais do que a sublimação dos impulsos eróticos. Não canta cada mulher que cruza a sua vida mas a Mulher, numa ascese que, superando a materialidade, aspira a «tudo o que é belo e estável», sem nunca se desprender completamente do seu apoio concreto e sensual.
Formalmente recupera o soneto desprezado pelos românticos e cultiva quase todas as formas poéticas, desde a ode à elegia, dando uma nova vida às formas tradicionais de redondilha maior ou menor, no que, de certo modo, preparou o advento da poesia moderna.
A sua bondade inata fá-lo sensível aos problemas da educação  e, na esteira de Castilho, publicou, em 1876, a sua famosa Cartilha Maternal, método racional e sensível de ensinar a ler, que foi para  muitas gerações o método oficial de leitura nas escolas.
Homenageado pela nação inteira em 1895, os seus funerais, em 1896, tiveram a dimensão de acontecimento nacional.
Obras principais: Flores do Campo, 1868 (2.ª ed., 1876); Ramo de Flores, 1869; Folhas Soltas, 1876; Cartilha Maternal, 1876; Despedidas de Verão, 1880; Campo de Flores (organizado por Teófilo Braga), 1893; Prosas (sob os cuidados de Teófilo Braga), 1898.

Dicionário Cronológico de Autores Portugueses

O SEU NOME

Ela não sabe a luz suave e pura
Que derrama numa alma acostumada
A não ver nunca a luz da madrugada
Vir raiando, senão com amargura!
Não sabe a avidez com que a procura
Ver esta vista, de chorar cansada,
A ela... única nuvem prateada,
única estrela desta noite escura!
E mil anos que leve a Providência
A dar-me este degredo por cumprido,
Por acabada já tão longa ausência,
Ainda nesse instante apetecido
Será o meu pensamento essa existência...
E o seu nome, o meu último gemido.

João de Deus

In Odes e Canções


Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
A José A. S. R. de Castro
Foi-se-me pouco a pouco amortecendo 
A luz que nesta vida me guiava, 
Olhos fitos na qual até contava 
Ir os degraus do túmulo descendo.

Em se ela anuveando, em a não vendo, 
Já se me a luz de tudo anuveava 
Despontava ela apenas, despontava 
Logo em minha alma a luz que ia perdendo.

Alma gémea da minha, e ingénua    e pura 
Como os anjos do céu (se o não sonharam...) 
Quis mostrar-me que o bem pouco dura!

Não sei se me voou, se ma levaram; 
Nem saiba eu nunca a minha desventura 
Contar aos que ainda em vida não choraram...

… … … … … … … … … … … … … … …
De dia a estrela de alva empalidece
De dia a estrela de alva empalidece; 
E a luz do dia eterno te há ferido!
Em teu lânguido olhar adormecido 
Nunca me um dia amanhecesse!

Foste a concha da praia! A flor parece 
Mais ditosa que tu! Quem te há partido, 
Meu cálix de cristal onde hei bebido 
Os néctares do céu... se um céu houvesse!

Fonte pura das lágrimas que choro, 
Quem tão menina e moça desmanchado 
Te há pelas nuvens os cabelos de oiro;

Some-te, vela de baixel quebrado!
Some-te, voa, apaga-te, meteoro!
É só mais neste mundo um desgraçado!

… … … … … … … … … … … … … … …
A VIDA

A vida é o dia de hoje, 
A vida é ai que mal soa, 
A vida é sombra que foge, 
A vida é nuvem que voa; 
A vida é sonho tão leve 
Que se desfaz como a neve 
E como o fumo se esvai: 
A vida dura um momento, 
Mais leve que o pensamento, 
A vida leva-a o vento, 
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente, 
A vida é sopro suave, 
A vida é estrela cadente, 
Voa mais leve que a ave; 
Onda que o vento nos mares. 
Uma após outra lançou, 
A vida — pena caída 
Da asa de ave ferida — 
De vale em vale impelida 
A vida o vento a levou!

… … … … … … … … … … … … … … …
Ah! quando numa vista o mundo abranjo
Ah! quando numa vista o mundo abranjo. 
Estendo os braços e. palpando o mundo, 
O céu, a terra e o mar vejo a meus pés, 
Buscando em vão a imagem do meu anjo. 
Soletro à frouxa luz de um moribundo 
Em tudo só: Talvez!...
Talvez! — é hoje a Bíblia, o livro aberto 
Que eu só ponho ante mim nas rochas quando 
Vou pelo mundo ver se a posso ver; 
E onde, como a palmeira do deserto, 
Apenas vejo aos pés inquieta ondeando 
A sombra do meu ser!

Meu ser... voou na asa da águia negra 
Que, levando-a, só não levou comigo
Desta alma aquele amor! 
E quando a luz do sol o mundo alegra, 
Cristalina nocturna a sós comigo
Abraço a minha dor!

Dor inútil! Se a flor que ao céu envia 
Seus bálsamos se esfolha, e tu no espaço 
Achas depois seus átomos subtis, 
Ainda hás-de ouvir a voz que ouviste um dia... 
Como a sua Leonor ainda ouve o Tasso... 
Dante, a sua Beatriz!

— Nunca! responde a folha que o outono,
Da haste que a sustinha a mão abrindo,
 Ao vento confiou;
— Nunca! responde a campa onde do sonho
E quem talvez sonhava um sonho lindo.
Um dia despertou!

Nunca! responde o ai que o lábio vibra;
— Nunca! responde a rosa que na face
Um dia emurcheceu: 
E a onda que um momento se equilibra 
enquanto diz às mais: Deixai que eu passe!
E passou e... morreu!

João de Deus   In Elegias
 INDIFERENÇA
Ora dize-me a verdade: 
Tu já sentiste por mim 
Uma sombra de saudade, 
De amor. de ciúme; enfim, 
Uma impressão que indicasse 
Haver em teu coração 
Fibra, corda que vibrasse, 
A minha recordação?
Parece, mas o contrário; 
Sim o que devo supor 
É deserto e solitário 
O teu coração de amor! 
Não digo por outro; invejo 
Talvez a sorte de alguém... 
Mas o que eu sei, o que eu vejo, 
É que me não queres bem!

João de Deus
In Odes e Canções

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